Publicado em: 20/06/2022 13:34
Mitra ou cocar? Não poderia haver um presente mais característico para o Papa Francisco dos bispos vindos da Amazônia in visita ad Limina no Vaticano, mais especificamente dos representantes do Regional Norte 1 da CNBB (Estados do Amazonas e Roraima) e do Noroeste (Acre, sul do Amazonas e Rondônia). Os 17 bispos foram recebidos na manhã desta segunda-feira (20).
Para o arcebispo de Porto Velho, em Rondônia, dom Roque Paloschi, foi um encontro de comunhão, esperança e coragem. “De comuhão porque ele acolheu tudo aquilo que nós trouxemos da realidade de nossas igrejas na Amazônia. De esperança, porque ele nos motivou a vivermos a nossa missão de pastores e não burocratas, de não perdermos este foco. E de coragem, para estar junto com as populações mais pobres e, sobretudo, que a Igreja saiba respeitar as culturas, o desafio da encarnação”:
“Diante desse desafio que temos hoje, da escassez de clero, das dificuldades econômicas, a questão da situação desesperadora do desrespeito dos primeiros habitantes das terras de Santa Cruz que moram lá, ele (o Papa) usou a expressão ‘arrisca, meu irmão, se você não arriscar, já está errando’. Quer dizer, nós não temos que ter medo para também nos lançarmos nos novos desafios, vivendo sobretudo a fidelidade aos pobres. […] Ele também nos pediu para sermos pastores, não burocratas; pastores com cheiro de ovelha e a cercania com o povo.”
Para mons. Lúcio Nicoletto, administrador diocesano de Roraima, Francisco encorajou os bispos a atuarem “sem medo de encarar os desafios que nos apresenta o momento atual, que precisa de uma palavra profética para anunciar a esperança do Evangelho da vida, mas também denunciar tudo aquilo que pisoteia os direitos fundamentais das populações indígenas e do cuidado com a casa comum”.
O olhar do Papa para a Amazônia
Através desse encontro humano e fraterno, com os bispos sendo incentivados à proximidade diária “com os últimos e sem medo de arriscar”, dom Roque contou que o Papa voltou a falar da Conferência de Aparecida de 2007, que reuniu o episcopado latino-americano e do Caribe, e de como ficou “intrigado” de como se falava tanto sobre a questão da ecologia na época. Além dos bispos da Amazônia, o arcebispo de Porto Velho comentou que a Laudato si’ ajudou o Pontífice a dar esse passo em direção à importância do tema, como o próprio Sínodo dos Bispos para a Amazônia em 2019 e a exortação apostólica pós-sinodal de 2020 “Querida Amazonia”:
“A ‘Querida Amazonia’ é esse abraço de ternura e de carinho que ele assumiu não só para a questão dos biomas amazônicos, mas o cuidado e – eu até usei essa expressão com ele – do Jardim de Deus, da casa comum, e a preocupação com as gerações vindouras. Então, o Papa demostrou, assim, esse empenho e essa clareza de que nós não podemos abrir mão daquilo que é a nossa missão de cuidar desse Jardim, que foi confiado a nós, mas não só para nós, para todas gerações. E refoçou por três vezes a importância de nós aprendermos cotidianamente também com os povos originários, com os povos indígenas, essa relação harmoniosa e respeitosa com a criação. E, sobretudo, nos pediu a coragem e a ousadia de não ter medo de dar passos também no sentido de viver uma fé que seja encarnada nesta realidade onde se está: não querer voltar ao esquema da colonização, mas, pelo contrário, entrar e mergulhar nas culturas. Isso foi muito bonito!”
O quadro “SOS Yanomami” dado ao Papa
Segundo mons. Lúcio, a audiência com o Papa foi para reabastecer o coração após tantos desafios numa missão que é muito exigente: o Pontífice parecia “estar no esperando para nos encorajar e nos acolher e, pela primeira vez, nada de puxão de orelha”, brincou ele. Em nome do povo de Roraima, o monselhor presenteou o Papa com um quadro produzido em 1989 por um artista local, o indígena Cardoso, que por muitos anos pintou o sofrimento e a esperança do povo amazônico. O título da obra dada a Francisco é emblemático “SOS Yanomami”, uma das maiores etnias da Amazônia, que na época servia de denúncia ao sofrimento dos povos nativos daquela região por causa dos “direitos pisoteados e de questões como o extrativismo, o desmatamento, a falta de preservação ambiental e a falta de respeito para com a populações”.
“Hoje, depois de 33 anos, esse quadro continua terrivelmente atual. Porque continua denunciando a falta de respeito que nós deveríamos ter, de maneira especial, a parte pública, para com as populações nativas que são para nós motivo para a gente rever inclusive o nosso estilo de vida. O Papa Francisco, então, conclama a todos a rever a nossa maneira de viver a partir de uma cultura que respeite a casa comum.
“Quero viver minha missão até Deus permitir”
Ao ser questionado por Silvonei José sobre como está a saúde do Papa, para quem de perto pode conferir, o arcebispo de Porto Velho confirmou que Francisco “manifestou que tem muitos desafios, mas que não passa pela cabeça isso que tá saindo na imprensa (de renunciar): ‘eu quero viver a minha missão até que Deus me permitir’, disse ele. E pronto”. Monsenhor Lucio reforçou o pensamento de dom Roque, dizendo que viu o Papa dentro da sua fragilidade, mas “também com uma força muito grande e que traz para nós uma grande força! Às vezes até a gente tem vergonha na cara por ficar aí se queixando de tanta coisa, e olha o Papa como é que ele está com aquela animação toda!”. E dom Roque finalizou:
“Saio me sentindo muito contemplado desse abraço amoroso e carinhoso do Papa Francisco com toda nossa região Amazônica.”
A visita ao Vaticano termina na próxima sexta-feira (24) e ao longo da semana a delegação da Amazônia visita dicastérios, conselhos e comissões do Vaticano, além de constar na programação a celebrarão da Eucaristia nas quatro Basílicas Maiores de Roma: São Pedro, São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo fora dos Muros.
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<acesso em 20/06/2022>